Entrevista a Howard Rheingold, um dos "Papas" das Comunidades Virtuais
A expressão “comunidade virtual” ganhou força nos últimos tempos, principalmente por conta do sucesso do Orkut em todo o mundo e especialmente no Brasil. Mas o que pouca gente sabe é que este conceito é mais antigo do que a própria Internet e muito mais amplo do que Orkut e coisas semelhantes. Para entender exatamente o que é, como criar e manter uma comunidade virtual, o WNews entrevistou por e-mail quem cunhou essa expressão nos idos de 1993: Howard Rheingold.
O pesquisador, que em 1993 previu que a Internet e o universo virtual provocariam grandes mudanças para o homem do século XXI, escreveu diversos livros sobre Internet, novas tecnologias e, é claro, comunidades virtuais. Aliás, ele mantém sua própria comunidade virtual, Brainstorms Community, da qual você pode fazer parte. Basta enviar um e-mail para brainstorms@gmail.com, explicando por que você gostaria de participar.
O que é uma comunidade virtual? Este conceito está ligado apenas a iniciativas como o Orkut?
Rheingold: Pessoas que se conectam online por um período prolongado podem, mas não necessariamente vão gerar uma comunidade virtual. Eu escrevi um livro inteiro sobre este assunto em 1993 (https://www.rheingold.com/vc/book) e atualizei-o com um capítulo adicional em 2001(https://www.rheingold.com/VirtualCommunity.html). O Orkut é um espaço ativo para muitas comunidades, mas está muito distante, em décadas, da primeira delas e tampouco é a única. Há mais de 100 mil grupos de discussão da Usenet (rede de mensagens da Internet que usa o Network News Transfer Protocol), com 250 milhões de mensagens trocadas por 11 milhões de pessoas por ano, por exemplo.
Qualquer pessoa pode começar e manter uma comunidade virtual?
Rheingold: Com certeza! Há diversas ferramentas e quase todas gratuitas para começar um grupo de e-mails, uma comunidade no Orkut uma sala de chat ou um Internet Chat Relay (sistema que permite que vários usuários conversem ao vivo e ao mesmo tempo em um mesmo canal), ou um grupo de discussão na Usenet. Mas é preciso convencer outras pessoas a manter a comunicação. Para atrai-las é preciso ter um centro de gravidade, interesses em comum.
O que é preciso para começar uma comunidade virtual?
Rheingold: Uma forte afinidade é fundamental – um grupo de amigos, pessoas que têm determinada doença, fãs de determinado time ou grupo musical. Depois, é preciso um meio de comunicação – chat, grupo de e-mails, grupo de blogs, fórum. E então é necessário ter uma massa crítica de pessoas discutindo temas tão interessantes que sejam capazes de atrair outras pessoas.
Qual é o segredo para estimular uma comunidade virtual e mantê-la crescendo? Você poderia dar algumas dicas?
Rheingold: Há dez anos escrevi um artigo sobre isso, que está no seguinte endereço: https://www.rheingold.com/texts/artonlinehost.html
Você poderia dar alguns exemplos de casos de sucesso de comunidades virtuais pelo mundo?
Rheingold: Se você quer aprender sobre algumas das melhores comunidades virtuais ao redor do mundo, veja em https://www.rheingold.com/vc/digital-comm.html, onde escrevi, em parte, que comunidades digitais estão ligadas a ações emergentes coletivas; cidadania, empreendedorismo social, bem como econômico; à ingenuidade dos usuários de tecnologia e seu poder para, ativamente, dar forma aos meios de comunicação; à futura evolução de novas ferramentas e formas sociais; ao progresso da cultura e alívio do sofrimento, à humanização da tecnologia, à abertura e inclusão, e à pura diversão de fazer coisas juntos.
Comunidades digitais podem salvar vidas, atenuar diferenças e a divisão digital, multiplicar conhecimento, criar mercados, revitalizar a democracia e provocar engajamento cívico – mas apenas se as pessoas entenderem o poder que a tecnologia lhes dá e lidarem atenciosamente com ele.
Embora os sociólogos Barry Wellman e Keith Hampton dêem uma definição mais formal de “comunidade” como sendo uma rede de nós interpessoais que provê sociabilidade, apoio, informação, senso de pertencimento e identidade social”, nós definimos “comunidade” como “uma teia de relacionamentos mantida, ao longo do tempo entre pessoas que se preocupam umas com as outras”, e nós definimos “comunidade digital” como “uma rede e relacionamentos que é capacitada, melhorada ou amplificada por ferramentas digitais”.
Wikipedia e The World Starts With Me, os dois ganhadores do primeiro Golden Nicas concedido para a nova categoria Comunidades Digitais, exemplificam os aspectos complementares do discurso virtual e ações cara-a-cara sugeridas pelo nome da categoria. A parte “digital” da definição não significa que apenas a tecnologia possa criar comunidades. Somente pessoas podem formar grupos sociais, embora a Internet possa capacita-las a agir de maneiras que anteriormente não eram possíveis. A parte “comunidade” da definição inlcui diferentes formas de grupos, que se divertem, organizam ações políticas ou cívicas, fazem arte, dedicam-se ao comércio, se ajudam em crises médicas e familiares, ensinam e aprendem, começam negócios e se apaixonam.
O Brasil é o país com o maior número de usuários no Orkut. Você conhece alguma iniciativa relevante de comunidade virtual no Brasil?
Rheingold: Ao longo dos anos, muitos brasileiros me disseram como os blogs fazem sucesso no Brasil e quantos grupos de e-mail existem aí. Eu suspeito que exista uma vasta e rica coleção de comunidades virtuais no Brasil. Por que você não cria um site onde todas elas possam contar umas às outras sobre elas mesmas.
Qual é o futuro das comunidades virtuais? Elas são o futuro da humanidade?
Rheingold: Não. O futuro da humanidade é aprender como cooperar em manter vivos nós mesmos e o ecossistema que nos apóia, sem matarmos uns aos outros neste processo. As comunidades virtuais podem ajudar. Mas ferramentas não são o mesmo que tarefas. Você precisa saber no que usar a ferramenta e como fazê-lo e então fazê-lo.
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Communities of practice
Etienne Wenger